segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O assalto à (da) razão...

Ontem comprei o novo livro do Al Gore. Já tinha Uma verdade inconveniente, em que ele trata das questões ambientais. Como o considero uma pessoa lúcida (algo raro hoje em dia), fiquei curiosa para ver como ele apresentava o tal "assalto à razão" que dá nome ao livro.
Li somente a introdução, mas é assustador constatar que o cenário americano descrito por Gore pode ser transplantado para terras brasileiras trocando algumas poucas referências específicas.
Transcrevo, abaixo, alguns trechos que identificam, de modo muito preciso, fatores que comprometem cada vez mais a existência da própria democracia.
Leiam e avaliem se o que ele diz não se aplica direitinho ao Brasil em que vivemos hoje.

A dependência persistente e contumaz de falsidades como base de planos de ação, ainda que frente a provas consistentes e de fácil compreensão que mostrem o contrário, parece ter alcançado níveis previamente inimagináveis [...].

Um grande e crescente número de pessoas se perguntam em voz alta: “O que aconteceu com o nosso país?”. Mais e mais pessoas estão tentando compreender o que deu errado na nossa democracia, e o que se pode fazer para consertá-la.

[...]

O rádio, a internet, o cinema, os telefones celulares, os iPods, os computadores, as mensagens instantâneas, os videogames e os assistentes pessoais digitais rivalizam entre si pela nossa atenção — mas é a TV que continua dominando o fluxo de informação [...] na modernidade.

[...]

O anúncio de produtos, é claro, é a principal atividade comercial da televisão. É difícil exagerar na maneira como a infiltração da publicidade eletrônica moderna deu nova forma à nossa sociedade. Na década de 1950, John Kenneth Galbraith descreveu pela primeira vez a maneira como a publicidade alterava a relação clássica de equilíbrio entre a oferta e a demanda, garantida ao longo do tempo pela mão invisível do mercado. As campanhas publicitárias modernas, ele observou, estavam começando a criar altos níveis de demanda por produtos que os consumidores nem tinham consciência de desejar, muito menos de precisar.

O mesmo fenômeno que Galbraith observou no mercado publicitário é atualmente um fato dominante no que costumava ser o mercado de idéias [...]. O valor ou a validade inerente das propostas políticas apresentadas por candidatos a cargos eletivos hoje é amplamente irrelevante na comparação com as campanhas de propaganda baseadas na imagem que eles usam para delinear a percepção dos eleitores. E o alto custo desses comerciais fez aumentar de maneira radical o papel do dinheiro na política nacional — e a influência das pessoas que fazem contribuições financeiras. [...]

O potencial para manipular as opiniões e os sentimentos da massa, a princípio descoberto pelos anunciantes da televisão, é hoje explorado de maneira ainda mais agressiva por uma nova geração de maquiavélicos profissionais de mídia. [...]

Como resultado, nossa democracia corre o risco de se esvaziar. Às vezes, as opiniões dos eleitores estão, com efeito, sendo compradas — exatamente da mesma maneira como a demanda por novos produtos é criada de maneira artificial.

Al Gore. “Introdução”. Em: O assalto à razão. São Paulo: Manole, 2007.

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4 comentários:

Berná disse...

De um lado, os "maquiavélicos profissionais de mídia" que embalam os candidatos do jeitinho que o povo gosta; de outro lado, as hordas de antas sem capacidade alguma de raciocínio e de reflexão crítica sobre o que ouvem, lêem, e vêem...

Estamos em um beco sem saída, pois não???

Em tempo: o final da seqüênica de letras que acabei de digitar para liberar este comentário, é ...PQP!

Apropriadíssimo, como expletivo necessário à situação descrita no texto do Al gore, não?

Flower Nakamura, ME disse...

Essas são as coincidências que a gente não consegue explicar. PQP indeed!!!

Berná disse...

Se é que existem mesmo coincidências!
Há controvérsias, há controvérsias...

Unknown disse...

Qualquer semelhança NÃO é mera coincidência...