domingo, 19 de agosto de 2007

Um texto, uma manhã de domingo...

Há textos que me emocionam muito. Este é um deles. Talvez porque a noção de tempo sempre me fascinou, e porque é do tempo, essencialmente, que trata o livro Os sonhos de Einstein, do físico e humanista Alan Lightman, de onde selecionei os fragmentos abaixo.

O texto parece que deixa a alma da gente em estado de contemplação. Compartilho-o com vocês, nesta manhã de domingo.

(Manhã??? Domingo???)


15 de maio de 1905

Imagine um mundo em que não há tempo. Somente imagens.
Uma criança à beira do mar, enfeitiçada pela primeira visão que tem do oceano. Uma mulher de pé em uma sacada, de madrugada, cabelos soltos, vestindo folgadas roupas de dormir de seda, seus pés descalços, seus lábios. [...] Um homem sentado na quietude de seu estúdio, segurando a fotografia de uma mulher; há dor no olhar dele. Uma águia-pescadora emoldurada no céu, as asas abertas, os raios do sol perfurando suas penas.[...]. Pegadas na neve em uma ilha no inverno. Um barco na água à noite, suas luzes tênues na distância, como uma pequena luz vermelha no céu negro. [...] Uma folha no chão no outono, vermelha, dourada e marrom, delicada.[...]. Uma chuva leve em um dia de primavera, em um passeio que será o último passeio que um jovem fará no lugar que ele ama. Poeira em um peitoril de janela.[...]. O buraco de uma agulha. Mofo nas folhas, cristal, opalescente. Uma mãe em sua cama, chorando, cheiro de manjericão no ar. [...].Vapor subindo de um lago no início da manhã. Uma gaveta aberta. Dois amigos em um café, o lustre iluminando o rosto de um dos amigos, o outro na penumbra. Um gato olhando um inseto na janela. Uma jovem em um banco, lendo uma carta, lágrimas de contentamento em seus olhos verdes.[...]. Luz do sol, em ângulos abertos, rompendo uma janela no fim da tarde. Uma imensa árvore caída, raízes esparramadas no ar, casca e ramos ainda verdes. O branco de um veleiro, com o vento de popa, velas se agitando como asas de um imenso pássaro branco. Um pai e um filho sozinhos em um restaurante, o pai, triste, olhos fixos na toalha de mesa. Uma janela oval, de onde se avistam campos de feno, uma carroça de madeira, vacas, verde e púrpura na luz da tarde. Uma garrafa quebrada no chão, líquido marrom nas fissuras do piso, uma mulher com os olhos vermelhos.[...]. Um livro surrado sobre uma mesa ao lado de um abajur de luz branda. O branco na água quando quebra uma onda, erguida pelo vento. Uma mulher deitada no sofá, cabelos molhados, segurando a mão de um homem que nunca voltará a ver. Um trem com vagões vermelhos, sobre uma grande ponte de pedra, de arcos delicados, o rio que sob ela corre, minúsculos pontos que são as casas à distância. Partículas de poeira flutuando nos raios de sol que entram por uma janela.[...]. Um homem e uma mulher nus, envolvidos um no outro. As sombras das árvores numa noite de lua cheia. O topo de uma montanha com um vento forte constante, os vales que se esparramam por todas as suas bordas, sanduíches de carne e queijo.[...]. Um rosto estranho no espelho, grisalho nas têmporas.[...]. Uma foto de família, os pais jovens e tranqüilos, as crianças trajando gravatas e vestidos e sorrindo. Uma pequeníssima luz, visível por entre as árvores de um bosque. O vermelho do pôr-do-sol. Uma casca de ovo, branca, frágil, intacta. Um chapéu azul na praia, trazido pela maré. Rosas aparadas flutuando sob uma ponte, próximas a um castelo que vai emergindo. O cabelo ruivo de uma amante, selvagem, traiçoeiro, promissor. As pétalas púrpuras de uma íris na mão de uma jovem mulher. Um quarto com quatro paredes, duas janelas, duas camas, uma mesa, um lustre, duas pessoas de rostos vermelhos, lágrimas. O primeiro beijo. Planetas no espaço, oceanos, silêncio. Uma gota d’água na janela. Uma corda enrolada. Uma vassoura amarela.

Alan Lightman, Os sonhos de Einstein. São Paulo: Companhia das Letras 1997 [1993], pp.72-76.


Quem se interessar pelo livro e pelo autor pode obter mais informações aqui e aqui.

Bom domingo, repleto de...imagens!

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2 comentários:

Unknown disse...

Ahhh, e obrigada pela escolha da imagem que puxa o texto. Stary night é, de longe, um de meus preferidos...
Belo texto.

Meme-Mariana disse...

Oi Bernadete, obrigada pela dica sobre statistics. Acho que consegui.
E vai aqui então uma imagem de manhã de domingo, ou de qualquer outro dia, ou mesmo a tarde de qualquer dia, porque, para mim, esse quadro é a tradução mais perfeita de tranquilidade e contemplação.

http://hjg.com.ar/blog/img2/vermeer_delft.jpg

Bjs,
Meme