quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Tem mais presença em mim o que me falta...

Paulo,

É impossível vir ao Rio e não sentir o coração apertado de saudades. Quando estou em Campinas, ou em Vitória, ainda dá para fazer de conta que você continua aqui e que a gente não tem se falado por causa da correria da vida. Como sua morte continua me parecendo irreal e absurda, embarco nessa fantasia que me consola um pouco da tristeza de não ter mais como compartilhar com você algumas coisas importantes, outras tolas, mas todas essenciais para esse tecido familiar que vai sendo trançado ao longo da vida.

Dessa vez a saudade veio acompanhada por lembranças muito tristes. Estou hospedada no Mirador e foi daqui que partimos, no meio da madrugada, rumo ao Copa D’or. O telefonema de mamãe avisava que você estava tendo convulsões. Era a hora de nos despedirmos. Quanta tristeza, meu irmão!

Quase cinco anos se passaram e as imagens daquela madrugada continuam a me assombrar. Suspeito que o mesmo aconteça com mamãe, Maria Sylvia, Bernadete e Nely. Fomos nós que te fizemos companhia nos momentos finais. E, como o seu sofrimento era imenso e evidente, confesso que agradeci a Deus quando você nos deixou. Era o alívio inegável que chegava ao fim de uma luta que se estendeu por mais de um ano de tratamentos cruéis e inúteis.

Engraçado como depois da sua morte passei a te sentir mais próximo. Converso freqüentemente com você, como estou fazendo agora. Alimento a fantasia de te contar as coisas boas que têm acontecido na minha vida. Queria tanto te mostrar os meus livros! Acho que ia se orgulhar da irmã caçula que você insistia em tratar como criança, não importando a idade que eu tivesse. Qual seria a implicância que você conseguiria fazer para me provocar com relação aos meus livros? Sabe que sinto saudade das suas implicâncias? Inacreditável, não é mesmo?

Queria conversar sobre as novas descobertas musicais, que certamente também te agradariam, porque tínhamos o gosto tão parecido. Fico me perguntando se, como eu, você ia adorar a descoberta dos iPods e da possibilidade de carregar milhares de músicas ao alcance do ouvido, escolhendo aquelas que combinassem melhor com o seu estado de humor. Ah, você ia gostar demais desse aparelhinho!

Queria que você pudesse ver os seus filhos crescidos. Dá gosto ouvir o Guto falar, entusiasmado, sobre o curso de Engenharia Florestal (quem diria?). E que orgulho ver a Mari concluindo os cursos de arquitetura e engenharia civil! Nossa, você não ia caber em si de contente! E como eles estão bonitos!

De toda a saudade que sinto, a falta maior é daqueles abraços apertados que você me dava, sempre que nos víamos. Era uma expressão tão evidente de saudade e de afeto, que nem todas as implicâncias futuras davam conta de apagar.

Como eu gostaria de poder te abraçar novamente... Mais do que tudo, porém, queria me livrar de vez daquelas imagens malditas da sua última noite. Queria sonhar com você bem, saudável, alegre e não consumido pela doença. Escrevo sobre isso também como uma forma de exorcismo. Escolhi esse retrato seu com a Mari no colo, porque nele aparece o irmão cuja imagem quero levar comigo para sempre. Chega de memórias tristes e negativas. Seu sofrimento acabou. A saudade que ficou é o resultado de um afeto imenso que não tem mais como se expressar. Como diria o poeta Manuel Carlos, tem mais presença em mim o que me falta.

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7 comentários:

Berná disse...

You made me cry today, Flower!!!!! But this is all so true...
E é isso mesmo.... não dá para não ser tomado por um mar de recordações de Paulo quando se está aí no Rio. Algumas muito boas, outras muito ruins. Acho que o nosso esforço deve mesmo ser para conseguir fazer com que, à medida que o tempo passa, prevaleçam as boas.
Você foi um grande cara, Paulo! We all miss you...
thanks for the beutiful and touching post, Flower!

Unknown disse...

É, eu também fui às lágrimas. (crase certa, eu creio...)Mas não havia como não ir, certo. Ainda mais nós três. Me vieram as imagens de nós três, naquele quarto de hotel nos vestindo rapidamente para sair na madrugada, e , me veio mais forte ainda a delicadeza daquelas "damas da noite" que nos cederam o táxi que iam pegar. Engraçado, agora vem mais forte as imagens da cessão do táxi, que foi o que de melhor aconteceu naquela noite.
É, acho que a minha defesa de fazer com que as lembranças ruins se esvaiam mais rapidamente que as boas, começa a funcionar. Aliás, acho que todos somos assim, não é?

Sobre Paulo, não há muito o que dizer, exceto o que já foi dito e que , a cada dia que passa, sinto que há mais dele em mim. O que é bom. Mas ainda, como Flower, sou assombrada pelas imagens e espero o começo dos sonhos bons.

Berná disse...

Concordo também com tudo o que você diz, Cokes... Ah, e parabéns pela crase certinha, rsrsrs...

Anna L Horta disse...

Flower,

O texto é comovente mesmo para quem, como eu, não viveu o que vocês viveram e não conheceu Paulo.

DIVA Sen disse...

I'm speechless, pelas belas palavras de Flower, pelo sentimento que elas provocam quem já perdeu alguém importante para uma doença assim.
Eu me lembro muito pouco de Paulo, mas na minha cabeça ele aparece sempre rindo. Então, depois de enxugadas todas as (muitas) lágrimas, vamos rir com ele, celebrando as coisas boas que, graças aos céus, não são tão poucas assim.

Flower Nakamura, ME disse...

Pois é, desta vez as lembranças estão mesmo muito mais fortes: o hotel, Niterói, o Instituto Abel... mas, como disse Sen, as coisas boas são muitas e é delas que eu quero lembrar.

Anônimo disse...

Muito lindo. Muito comovente.
Beijos para as 3 manas adoráveis.

Leticia