segunda-feira, 28 de abril de 2008

Para ler e ruminar...


[A capivara não é um boi, mas é um ruminante. E certamente deve se perguntar que raios de gente maluca é essa que ela vê passando todos os dias de um lado para o outro...]


Tão delicados (mais que um arbusto) e correm

e correm de um para outro lado, sempre esquecidos

de alguma coisa. Certamente, falta-lhes

não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres

e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,

até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam

nem o canto do ar nem os segredos do feno,

como também parecem não enxergar o que é visível

e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes

e no rasto da tristeza chegam à crueldade.

Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se

a um simples baixar de cílios, a uma sombra.

Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade,

e como neles há pouca montanha,

e que secura e que reentrâncias e que

impossibilidade de se organizarem em formas calmas,

permanentes e necessárias. Têm, talvez,

certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem

perdoar a agitação incômoda e o translúcido

vazio interior que os torna tão pobres e carecidos

de emitir sons absurdos e agônicos: desejo,amor, ciúme

(que sabemos nós?), sons que de despedaçam e tombam no campo

como pedras aflitas e queimam a erva e a água,

e, difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.


(Carlos Drummond de Andrade – Um boi vê os homens)



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