Leio no G1 que, mais uma vez, foi danificada a estátua de Carlos Drummond de Andrade, na orla carioca. Inevitável lembrar do poema "O elefante", em que o próprio Drummond reafirma sua crença na humanidade, apesar de todos os sinais negativos.
Não sou como ele. Não acredito que haja esperança para um povo de vândalos incultos. Tá, não dá para generalizar. Mas o que dizer quando se constata que, só este ano, já é a sexta vez que quebram os óculos da estátua?
Qual é o perfil de quem faz uma coisa dessas? Será que já leu um livro na vida? Um poema sequer? Será que já ouviu falar em Drummond, sabe da sua importância para a cultura brasileira, ou acha que a estátua é só um velhinho sentado em um banco no Posto 6?
Infelizmente, vivemos em um país em que cultura, conhecimento, leitura, são vistos como coisas inúteis. Mais valem os concurso de "bunda". Mais sucesso fazem as popozudas do funk.
Fica aqui o registro da minha revolta e da minha tristeza. Deixo também o belíssimo poema, que é longo, mas vale ser lido até o final. Porque, por mais ignorantes que sejam as pessoas, elas jamais conseguirão destruir a obra de Drummond.
O elefante
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos,
esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
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