Paulo, É impossível vir ao Rio e não sentir o coração apertado de saudades. Quando estou em Campinas, ou em Vitória, ainda dá para fazer de conta que você continua aqui e que a gente não tem se falado por causa da correria da vida. Como sua morte continua me parecendo irreal e absurda, embarco nessa fantasia que me consola um pouco da tristeza de não ter mais como compartilhar com você algumas coisas importantes, outras tolas, mas todas essenciais para esse tecido familiar que vai sendo trançado ao longo da vida.
Dessa vez a saudade veio acompanhada por lembranças muito tristes. Estou hospedada no Mirador e foi daqui que partimos, no meio da madrugada, rumo ao Copa D’or. O telefonema de mamãe avisava que você estava tendo convulsões. Era a hora de nos despedirmos. Quanta tristeza, meu irmão!
Quase cinco anos se passaram e as imagens daquela madrugada continuam a me assombrar. Suspeito que o mesmo aconteça com mamãe, Maria Sylvia, Bernadete e Nely. Fomos nós que te fizemos companhia nos momentos finais. E, como o seu sofrimento era imenso e evidente, confesso que agradeci a Deus quando você nos deixou. Era o alívio inegável que chegava ao fim de uma luta que se estendeu por mais de um ano de tratamentos cruéis e inúteis.
Engraçado como depois da sua morte passei a te sentir mais próximo. Converso freqüentemente com você, como estou fazendo agora. Alimento a fantasia de te contar as coisas boas que têm acontecido na minha vida. Queria tanto te mostrar os meus livros! Acho que ia se orgulhar da irmã caçula que você insistia em tratar como criança, não importando a idade que eu tivesse. Qual seria a implicância que você conseguiria fazer para me provocar com relação aos meus livros? Sabe que sinto saudade das suas implicâncias? Inacreditável, não é mesmo?
Queria conversar sobre as novas descobertas musicais, que certamente também te agradariam, porque tínhamos o gosto tão parecido. Fico me perguntando se, como eu, você ia adorar a descoberta dos iPods e da possibilidade de carregar milhares de músicas ao alcance do ouvido, escolhendo aquelas que combinassem melhor com o seu estado de humor. Ah, você ia gostar demais desse aparelhinho!
Queria que você pudesse ver os seus filhos crescidos. Dá gosto ouvir o Guto falar, entusiasmado, sobre o curso de Engenharia Florestal (quem diria?). E que orgulho ver a Mari concluindo os cursos de arquitetura e engenharia civil! Nossa, você não ia caber em si de contente! E como eles estão bonitos!
De toda a saudade que sinto, a falta maior é daqueles abraços apertados que você me dava, sempre que nos víamos. Era uma expressão tão evidente de saudade e de afeto, que nem todas as implicâncias futuras davam conta de apagar.
Como eu gostaria de poder te abraçar novamente... Mais do que tudo, porém, queria me livrar de vez daquelas imagens malditas da sua última noite. Queria sonhar com você bem, saudável, alegre e não consumido pela doença. Escrevo sobre isso também como uma forma de exorcismo. Escolhi esse retrato seu com a Mari no colo, porque nele aparece o irmão cuja imagem quero levar comigo para sempre. Chega de memórias tristes e negativas. Seu sofrimento acabou. A saudade que ficou é o resultado de um afeto imenso que não tem mais como se expressar. Como diria o poeta Manuel Carlos, tem mais presença em mim o que me falta.